RELAÇÕES CONTRATUAIS ASSIMÉTRICAS E A PROTEÇÃO DO CONTRATANTE ECONOMICAMENTE MAIS FRACO: ANÁLISE A PARTIR DO DIREITO EMPRESARIAL BRASILEIRO

RESUMO: Este artigo discute, à luz do Direito Empresarial do Brasil, as relações jurídicas entre as partes contratantes, destacando as possibilidades jurídicas da parte economicamente mais débil. A partir da Análise Econômica do Direito, se busca trazer uma ampla revisão da bibliografia nacional e estrangeira, com o foco no hold-up problem, a fim de iluminar as perspectivas principiológico-hermenêuticas existentes no cenário brasileiro na atualidade.

 

 

PALAVRAS-CHAVE: Direito Empresarial; Assimetria de informações; Hold-up problem; Princípio da proteção ao contratante economicamente mais fraco.

 

INTRODUÇÃO

 

As relações empresariais e contratuais se encontram em processo crescente de complexidade e agilidade na sua constituição. A possibilidade de assimetria de informações entre as partes, aliada à capacidade econômico-negocial delas, acaba gerando relações jurídicas que prejudicam a igualdade contratual. Aqui se tem um espaço jurídico importante para ser observado e normatizado.

Neste cenário, se pretende analisar estas questões, especificamente no tocante às relações desiguais e de dependência de uma parte em relação a outra, que fazem nascer o chamado hold-up problem. Além disso, se pretende dar visibilidade sobre o modo como o Direito Empresarial brasileiro trabalha estas questões, buscando-se, num primeiro momento, esboçar um breve histórico das codificações da matéria comercial no Brasil, para então apresentar   o   ―princípio   da   proteção   ao   contratante   economicamente   mais   fraco   [ou empresarialmente dependente] nas relações contratuais assimétricas‖ tal como este consta das previsões específicas nos Projetos de Código Comercial em tramitação nas casas legistativas do Congresso Nacional brasileiro (sendo estas a Câmara dos Deputados e o Senado Federal).

Após, na segunda parte, buscar-se-á identificar, com recurso a ferramentas importadas da Economia e comumente trabalhadas pela Análise Econômica do Direito, as noções de assimetria informacional e hold-up contratual que se acredita ser importantes para um possível equacionamento do conteúdo dessa norma jurídica que poderá entrar em vigor, alterando o panorama do tratamento jurídico dos contratos empresariais no Brasil.

 

PARTE I – PANORAMA LEGISLATIVO DO DIREITO EMPRESARIAL BRASILEIRO E O PRINCÍPIO DA PROTEÇÃO AO CONTRATANTE ECONOMICAMENTE MAIS FRACO

  1. O direito empresarial brasileiro e sua codificação

 

Importa inicialmente traçar um breve panorama sobre a evolução da codificação do direito empresarial (outrora denominado comercial) brasileiro, para melhor ilustração acerca

 

da temática a ser abordada. Tal digressão histórica, evidentemente, não poderá ser exaustiva2, tratando-se apenas de um breve esboço para melhor compreensão do contexto das novas tentativas de codificação.

Esse percurso tem início com a promulgação do Código Comercial imperial, instituído pela Lei nº 556, de 25 de junho de 1850 (Brasil), bem como com a edição, no mesmo ano, do Regulamento 737, de 25 de novembro, o qual disciplinou a jurisdição em matéria comercial no Brasil.

A destacar na edição do Código e respectivo Regulamento a adoção da teoria dos atos de comércio3, de perfil objetivo e inspiração no Direito Francês. Assim, dispunha o art. 19 do Regulamento 737:

Art. 19.   Considera-se mercancia:

  • 1º A compra e venda ou troca de effeitos moveis ou semoventes para os vender por grosso ou a retalho, na mesma especie ou manufacturados, ou para alugar o                                  seu                               uso.
  • 2º      As      operações      de      cambio,      banco      e      corretagem.
  • 3° As emprezas de fabricas; de commissões; de depositos; de expedição, consignação e   transporte   de   mercadorias;   de   espectaculos   publicos.
  • 4.° Os seguros, fretamentos, risco, e quaesquer contratos relativos ao cornmercio maritimo.
  • 5. ° A armação e expedição de navios.

 

 

O âmbito de aplicação da codificação da matéria comercial estaria, assim, delimitado pela enumeração dos atos próprios de mercancia contida no art. 19, estabelecendo-se assim uma área de aplicação exclusiva, dicotomizando-se em relação à matéria cível, que somente viria a ser codificada em 1916 com a edição do Código Civil brasileiro, consagrando-se assim a separação da regulação das relações civis e comerciais em dois diplomas legislativos específicos.

Observando-se, com o passar do tempo, um esgotamento da aplicabilidade da teoria dos atos de comércio, e com a fragmentação da regulação da matéria comercial mediante a edição de importantes leis esparsas4, após longo período de vigência plena o Código

Comercial de 1850 acabou por ser quase integralmente revogado5 pela entrada em vigor do Código Civil instituído pela Lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002.

A nova codificação civil reuniu no mesmo corpus legis a matéria civil e comercial, consagrando uma unificação pretendida por muitos juristas, em especial e de forma pioneira, por Augusto Teixeira de Freitas. Sua principal influência, no que toca ao perfil da normatização da matéria empresarial, foi o Código Civil italiano de 1942 e o deslocamento do foco dos atos de comércio para uma teoria centrada em uma noção jurídica de empresa e no conceito de empresário formulado no art. 966 do novo Código:

Art. 966. Considera-se empresário quem exerce profissionalmente atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços.

Parágrafo único. Não se considera empresário quem exerce profissão intelectual, de natureza científica, literária ou artística, ainda com o concurso de auxiliares ou colaboradores, salvo se o exercício da profissão constituir elemento de empresa.

 

Essa nova codificação, em vigor há apenas aproximadamente quinze anos, ainda vem sendo em larga medida discutida e adaptada à prática empresarial no Brasil, o que não impediu fossem formulados dois projetos de lei, cada qual em tramitação perante uma das casas legislativas do Congresso Nacional brasileiro, com vistas à promulgação de um novo Código suficientemente abrangente a regular, de forma quase exaustiva e exclusiva (trata-se neles apenas a matéria comercial, apartando-a novamente, em termos de presença em um mesmo corpo de lei, da matéria civil), as relações que hoje se qualificam como de direito empresarial. Sobre esses projetos e uma de suas previsões específicas trata-se a seguir.

 

A)     Os Projetos de Código Comercial e o princípio da proteção ao contratante economicamente mais fraco

 

Nessa primeira parte, busca-se apresentar uma possível inovação no terreno da principiologia dos contratos empresariais, qual seja, a previsão contida nos dois projetos de lei em tramitação nas duas casas parlamentares do Congresso Nacional brasileiro (quais sejam, a Câmara  dos  Deputados  e  o  Senado  Federal),  de  um  princípio  da  ―proteção  ao  contratante economicamente mais fraco (ou ‗empresarialmente dependente‘) nas relações contratuais assimétricas‖.

Trata-se dos Projetos de Lei nº 1.572/2011, em tramitação perante a Câmara dos Deputados, e nº 487/2013, o qual tramita no Senado Federal. Esses dois projetos pretendem, cada qual, instituir uma nova codificação do Direito Comercial brasileiro, com a pretensão de regular, de forma abrangente, a matéria a que hoje se refere como “direito empresarial” (na esteira da adoção, pelo direito brasileiro, quando da entrada em vigor do Código Civil de 2002, da teoria da empresa de vertente italiana). Ambos contém em suas redações, uma preocupação com a positivação de princípios específicos no terreno da contratação empresarial6.

Para imediata ilustração, segue abaixo o texto do art. 303, do Projeto de Lei 1.572/2011 (Câmara dos Deputados) (Brasil, 2018), com especial atenção ao inciso III, que contém a previsão do referido princípio:

Art. 303. São princípios do direito contratual empresaria:l I – autonomia da vontade;

  • – plena vinculaç ao dos contratantes ao contrato;
  • – proteção do contratante economicamente mais fraco nas relações contratuais assimétricas; e
  • – reconhecimento dos usos e costumes do comé [Grifou-se].

Em redação similar, apresenta-se o art. 17, inciso III, do Projeto de Lei 487/2013 (Senado) (Brasil, 2018a):

Art. 17. São princípios aplicáveis aos contratos empresariais: I – autonomia da vontade;

  • – plena vinculação dos contratantes ao contrato;
  • – proteção do contratante empresarialmente dependente nas relações contratuais assimétricas; e
  • – reconhecimento dos usos e costumes do comé [Grifou-se].

Em ambos os casos, parte-se do reconhecimento de um fenômeno, a existência de relações contratuais empresariais assimétricas, para então positivar-se um princípio visando a proteção da parte que se posicione no pólo mais frágil dessa assimetria.

O reconhecimento da existência de relações obrigacionais assimétricas não é propriamente uma novidade no Direito brasileiro. Na realidade, a presença de assimetria entre as partes de uma relação jurídica obrigacional tornou-se a base sobre a qual se construiu a

regulação de pelo menos duas grandes áreas do Direito brasileiro: o Direito do Trabalho e o Direito do Consumidor.

Tanto na normatização da relação jurídica de trabalho, através do Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943 (Consolidação das Leis do Trabalho ou CLT), quanto no chamado Código de Defesa do Consumidor (CDC), instituído pela Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990, a constatação de desigualdade relevante na relação entre as partes é o pressuposto para a construção de uma regulação com viés protetivo da parte identificada como  ―mais  fraca‖,  ―dependente‖,  ―vulnerável‖  ou  ―hipossuficiente‖,  respectivamente,  o trabalhador e o consumidor.

Para ilustração, seguem os artigos 3º, da CLT, e 4º, I, do CDC:

 

Art. 3º – Considera-se empregado toda pessoa física que prestar serviços de natureza não eventual a empregador, sob a dependência deste e mediante salário.

 

Art. 4º A Política Nacional das Relações de Consumo tem por objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo, atendidos os seguintes princípios:

 

I – reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor no mercado de consumo; [Grifou-se].

 

Refira-se, por fim, que o reconhecimento da vulnerabilidade de consumidores e trabalhadores e da necessidade de sua proteção legal possui status de norma constitucional, podendo ser extraído dos artigos 5º, XXXII, e 170, V (no que pertine ao consumidor) e artigos 6º a 11 (quanto ao trabalhador), todos da Constituição Federal.

A assimetria reconhecida entre empregadores e empregados, e entre consumidores e fornecedores para fins de proteção legal é, no entanto, estrutural. Na regulação dessas matérias parte-se do pressuposto de que a desigualdade na relação existe e é pervasiva, podendo-se compreender algumas gradações (quando, por exemplo, fala-se da hipervulnerabilidade de determinados grupos de consumidores, conforme Schmitt, 2014). A realidade das relações empresariais enquanto objeto de tratamento jurídico, no entanto, tem sido completamente diferente, no sentido de que estruturalmente se parte do pressuposto da igualdade das partes na relação, sendo esse frequentemente um ponto de diferenciação entre as relações empresariais propriamente ditas e relações como as de trabalho ou consumo.

 

Dessa forma, como compreender o reconhecimento da desigualdade em um contexto de relações contratuais no qual ela se apresenta como exceção, e não como regra geral? Esse talvez seja o primeiro desafio para melhor compreensão de como pode ser formatado um modelo jurídico adequado para as chamadas ―relações contratuais empresariais assimétricas‖ e para a proteção dos seus ―contratantes economicamente mais fracos‖ ou ―empresarialmente dependentes‖.

Os tópicos da assimetria e da dependência no campo dos contratos têm sido objeto de análise de abundante literatura na área econômica, da qual proliferam insights importantes para a identificação das principais causas desses fenômenos, e quiçá de como tratá-las, principalmente no campo das relações empresariais. Passa-se então a apresentar, sem qualquer pretensão de esgotamento, algumas dessas noções que, acredita-se, poderão atuar como ferramentas analíticas importantes para obter-se um maior esclarecimento no tratamento do tema.

 

PARTE II – A ANÁLISE ECONÔMICA DOS CONTRATOS E AS QUESTÕES DA ASSIMETRIA E DA DEPENDÊNCIA CONTRATUAL

 

  1. Assimetria informacional, problema de agência e risco moral (moral hazard)

 

Embora com antecedentes que remontam a Adam Smith7, Bearle e Means (1932) e Ronald Coase8, o tratamento das situações de assimetria informacional que dão margem ao surgimento do risco moral é especialmente debitária da contribuição de Michael Jensen e William Meckling (2008).

A relação  de agência, delineada por Jensen e Meckling, corresponde a  ―um contrato sob o qual uma ou mais pessoas [o principal] emprega uma outra pessoa [o agente] para

regulação de pelo menos duas grandes áreas do Direito brasileiro: o Direito do Trabalho e o Direito do Consumidor.

Tanto na normatização da relação jurídica de trabalho, através do Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943 (Consolidação das Leis do Trabalho ou CLT), quanto no chamado Código de Defesa do Consumidor (CDC), instituído pela Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990, a constatação de desigualdade relevante na relação entre as partes é o pressuposto para a construção de uma regulação com viés protetivo da parte identificada como  ―mais  fraca‖,  ―dependente‖,  ―vulnerável‖  ou  ―hipossuficiente‖,  respectivamente,  o trabalhador e o consumidor.

Para ilustração, seguem os artigos 3º, da CLT, e 4º, I, do CDC:

 

Art. 3º – Considera-se empregado toda pessoa física que prestar serviços de natureza não eventual a empregador, sob a dependência deste e mediante salário.

 

Art. 4º A Política Nacional das Relações de Consumo tem por objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo, atendidos os seguintes princípios:

 

I – reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor no mercado de consumo; [Grifou-se].

 

Refira-se, por fim, que o reconhecimento da vulnerabilidade de consumidores e trabalhadores e da necessidade de sua proteção legal possui status de norma constitucional, podendo ser extraído dos artigos 5º, XXXII, e 170, V (no que pertine ao consumidor) e artigos 6º a 11 (quanto ao trabalhador), todos da Constituição Federal.

A assimetria reconhecida entre empregadores e empregados, e entre consumidores e fornecedores para fins de proteção legal é, no entanto, estrutural. Na regulação dessas matérias parte-se do pressuposto de que a desigualdade na relação existe e é pervasiva, podendo-se compreender algumas gradações (quando, por exemplo, fala-se da hipervulnerabilidade de determinados grupos de consumidores, conforme Schmitt, 2014). A realidade das relações empresariais enquanto objeto de tratamento jurídico, no entanto, tem sido completamente diferente, no sentido de que estruturalmente se parte do pressuposto da igualdade das partes na relação, sendo esse frequentemente um ponto de diferenciação entre as relações empresariais propriamente ditas e relações como as de trabalho ou consumo.

Dessa forma, como compreender o reconhecimento da desigualdade em um contexto de relações contratuais no qual ela se apresenta como exceção, e não como regra geral? Esse talvez seja o primeiro desafio para melhor compreensão de como pode ser formatado um modelo jurídico adequado para as chamadas ―relações contratuais empresariais assimétricas‖ e para a proteção dos seus ―contratantes economicamente mais fracos‖ ou ―empresarialmente dependentes‖.

Os tópicos da assimetria e da dependência no campo dos contratos têm sido objeto de análise de abundante literatura na área econômica, da qual proliferam insights importantes para a identificação das principais causas desses fenômenos, e quiçá de como tratá-las, principalmente no campo das relações empresariais. Passa-se então a apresentar, sem qualquer pretensão de esgotamento, algumas dessas noções que, acredita-se, poderão atuar como ferramentas analíticas importantes para obter-se um maior esclarecimento no tratamento do tema.

 

PARTE II – A ANÁLISE ECONÔMICA DOS CONTRATOS E AS QUESTÕES DA ASSIMETRIA E DA DEPENDÊNCIA CONTRATUAL

 

  1. Assimetria informacional, problema de agência e risco moral (moral hazard)

 

Embora com antecedentes que remontam a Adam Smith7, Bearle e Means (1932) e Ronald Coase8, o tratamento das situações de assimetria informacional que dão margem ao surgimento do risco moral é especialmente debitária da contribuição de Michael Jensen e William Meckling (2008).

A relação  de agência, delineada por Jensen e Meckling, corresponde a  ―um contrato sob o qual uma ou mais pessoas [o principal] emprega uma outra pessoa [o agente] para

A mitigação do problema do agente-principal passaria pela configuração dos incentivos adequados, em relação ao agente, bem como demanda que o principal incorra em custos de monitoramento, visando minimizar o comportamento desviante daquele (Jensen; Meckling, 2008).

Porém, tal resolução não deverá ser alcançada de forma plena, uma vez que, como afirmam  Jensen e  Meckling,  ―é  em geral  impossível para  o  principal ou  o  agente  manter  a relação de agência a um custo zero‖ (Jensen; Meckling, 2008). Assim, ―em qualquer situação que envolva esforço cooperativo‖ (Jensen; Meckling, 2008), as partes deverão incorrer em custos de agência, estando nestes compreendidos: (1) os custos para elaboração e efetivação do(s) contrato(s) entre as partes (Saito; Silveira, 2008); (2) as despesas de monitoramento, por parte do principal: por exemplo, manutenção e controle de um sistema de cartão-ponto; telefonemas periódicos para averiguar se o agente se encontra desempenhando a tarefa; colocação de câmeras de segurança e sua manutenção (Jensen; Meckling, 2008); (3) as despesas com a concessão de ―garantias‖11 ou salvaguardas contratuais, por parte do agente: imposição de multas ou outras penalidades contratuais ao agente, por conduta desviante; (4) os gastos realizados pelo  agente  para  ―sinalizar‖  ao  principal os esforços empreendidos  no sentido da adequada prestação contratual (Saito; Silveira, 2008); (5) o custo residual, que representa a perda de bem-estar sofrida pelo principal quando, ainda na presença das despesas supracitadas, ocorre algum nível de divergência entre as decisões do agente e a maximização da utilidade do principal (Jensen; Meckling, 2008).

Assim, dada a natureza resiliente de tais custos e a ubiquidade da relação de agência, a pesquisa da estrutura de incentivos, presente em cada caso no qual seja possível identificar, ao menos, uma versão do problema aqui tratado, passa a ser de interesse para a avaliação dos processos de tomada de decisão, nas mais diversas organizações, como ressaltam Jensen e Meckling:

 

The problem of inducing an ―agent‖ to behave as if he were maximizing the ―principal‘s‖ welfare is quite general. It exists in all organizations and in all cooperative efforts— at every level of management in firms, in universities, in mutual companies, in cooperatives, in governmental authorities and bureaus, in unions, and in relationships normally classified as agency relationships such as those common in the performing arts and the market for real estate. The development of theories to explain the form which

 

A mitigação do problema do agente-principal passaria pela configuração dos incentivos adequados, em relação ao agente, bem como demanda que o principal incorra em custos de monitoramento, visando minimizar o comportamento desviante daquele (Jensen; Meckling, 2008).

Porém, tal resolução não deverá ser alcançada de forma plena, uma vez que, como afirmam  Jensen e  Meckling,  ―é  em geral  impossível para  o  principal ou  o  agente  manter  a relação de agência a um custo zero‖ (Jensen; Meckling, 2008). Assim, ―em qualquer situação que envolva esforço cooperativo‖ (Jensen; Meckling, 2008), as partes deverão incorrer em custos de agência, estando nestes compreendidos: (1) os custos para elaboração e efetivação do(s) contrato(s) entre as partes (Saito; Silveira, 2008); (2) as despesas de monitoramento, por parte do principal: por exemplo, manutenção e controle de um sistema de cartão-ponto; telefonemas periódicos para averiguar se o agente se encontra desempenhando a tarefa; colocação de câmeras de segurança e sua manutenção (Jensen; Meckling, 2008); (3) as despesas com a concessão de ―garantias‖11 ou salvaguardas contratuais, por parte do agente: imposição de multas ou outras penalidades contratuais ao agente, por conduta desviante; (4) os gastos realizados pelo  agente  para  ―sinalizar‖  ao  principal os esforços empreendidos  no sentido da adequada prestação contratual (Saito; Silveira, 2008); (5) o custo residual, que representa a perda de bem-estar sofrida pelo principal quando, ainda na presença das despesas supracitadas, ocorre algum nível de divergência entre as decisões do agente e a maximização da utilidade do principal (Jensen; Meckling, 2008).

Assim, dada a natureza resiliente de tais custos e a ubiquidade da relação de agência, a pesquisa da estrutura de incentivos, presente em cada caso no qual seja possível identificar, ao menos, uma versão do problema aqui tratado, passa a ser de interesse para a avaliação dos processos de tomada de decisão, nas mais diversas organizações, como ressaltam Jensen e Meckling:

 

The problem of inducing an ―agent‖ to behave as if he were maximizing the

―principal‘s‖ welfare is quite general. It exists in all organizations and in all cooperative efforts— at every level of management in firms, in universities, in mutual companies, in cooperatives, in governmental authorities and bureaus, in unions, and in relationships normally classified as agency relationships such as those common in the performing arts and the market for real estate. The development of theories to explain the form which

com o objetivo de implementar o melhor interesse do principal – situação referida como ―risco moral‖ (moral hazard)15.

Note-se que a solução para o problema do risco moral não está na simples observação dos resultados das ações dos agentes. Como afirmado por Molho, não há uma relação determinística entre os esforços do agente e os resultados observados, pois, estes podem ser influenciados por fatores externos que não guardam relação com o nível de dedicação do agente à sua atividade (Molho, 1997, p. 119-120).

 

  1. Especificidade de ativos e efeito de aprisionamento (lock–in effect)

 

A questão relativa ao predomínio ou preponderância de uma parte sobre a outra em termos de poder negocial, e os reflexos que tal situação acarreta no que diz respeito ao tratamento jurídico do contrato tem sido objeto de alguma atenção por parte da doutrina de direito contratual no Brasil.

À guisa de exemplo, na relação jurídica de consumo, pode-se referir a discussão acerca da catividade do consumidor, enriquecida a partir do insight pioneiro de Cláudia Lima Marques  (2014,  p.  98),  que  cunhou  a  expressão  ―contratos  cativos  de  longa  duração‖  para designar

Uma série de novos contratos ou relações contratuais que utilizam os métodos de contratação de massa (através de contratos de adesão ou de condições gerais dos contratos), para fornecer serviços especiais no mercado, criando relações jurídicas complexas de longa duração, envolvendo uma cadeia de fornecedores organizados entre si e com uma característica determinante:  a  posição  de  ―catividade‖  ou  ―dependência‖  dos  clientes, consumidores.

Essa  ―catividade,  entretanto,  não  está  restrita  ao  âmbito  dos contratos de  consumo. Mesmo em contratos estritamente civis e também empresariais, nos quais, em contrário da relação de consumo, não se parte do pressuposto do desequilíbrio na relação e tampouco da vulnerabilidade ou hipossuficiência de uma das partes, ainda assim ela pode ser observada e sua origem pode ser conectada a diversos fatores, mormente de cunho econômico.

com o objetivo de implementar o melhor interesse do principal – situação referida como ―risco moral‖ (moral hazard)15.

Note-se que a solução para o problema do risco moral não está na simples observação dos resultados das ações dos agentes. Como afirmado por Molho, não há uma relação determinística entre os esforços do agente e os resultados observados, pois, estes podem ser influenciados por fatores externos que não guardam relação com o nível de dedicação do agente à sua atividade (Molho, 1997, p. 119-120).

 

  1. Especificidade de ativos e efeito de aprisionamento (lock–in effect)

 

A questão relativa ao predomínio ou preponderância de uma parte sobre a outra em termos de poder negocial, e os reflexos que tal situação acarreta no que diz respeito ao tratamento jurídico do contrato tem sido objeto de alguma atenção por parte da doutrina de direito contratual no Brasil.

À guisa de exemplo, na relação jurídica de consumo, pode-se referir a discussão acerca da catividade do consumidor, enriquecida a partir do insight pioneiro de Cláudia Lima Marques  (2014,  p.  98),  que  cunhou  a  expressão  ―contratos  cativos  de  longa  duração‖  para designar

[U]ma série de novos contratos ou relações contratuais que utilizam os métodos de contratação de massa (através de contratos de adesão ou de condições gerais dos contratos), para fornecer serviços especiais no mercado, criando relações jurídicas complexas de longa duração, envolvendo uma cadeia de fornecedores organizados entre si e com uma característica determinante:  a  posição  de  ―catividade‖  ou  ―dependência‖  dos  clientes, consumidores.

 

Essa  ― catividade,  entretanto,  não  está  restrita  ao  âmbito  dos contratos de  consumo. Mesmo em contratos estritamente civis e também empresariais, nos quais, em contrário da relação de consumo, não se parte do pressuposto do desequilíbrio na relação e tampouco da vulnerabilidade ou hipossuficiência de uma das partes, ainda assim ela pode ser observada e sua origem pode ser conectada a diversos fatores, mormente de cunho econômico.

razão do local, ou especificidade de lugar19: ocorre quando o ativo apresenta uma condição de inamovibilidade, devido aos altos custos de realocação; por exemplo, quando várias unidades fabris são alocadas uma próxima à outra por fornecerem componentes para o mesmo produto, acarretando economia nos custos de transporte; (2) especificidade em razão de características físicas do ativo; pode ocorrer, e.g., quando um determinado bem, ainda que móvel, possua características que o tornem inutilizável fora do contexto para o qual foi produzido, como ocorre com os moldes utilizados nas prensas de uma fábrica de produtos plásticos ou metais;

(3) especificidade de capital humano: verifica-se, por exemplo, quando o conhecimento ou habilidades adquiridos pelos indivíduos em uma transação os tornam mais valiosos nesta do que em outras transações, fato muito observável nas relações de trabalho, nos investimentos feitos em treinamento dos empregados; (4) dedicação de ativos: dá-se, por exemplo, através de investimentos na ampliação de determinada planta que não pode ser utilizada senão em uma mesma relação havida entre um particular fabricante e um comprador específico.

Ainda sobre a questão da especificidade dos ativos, Williamson (1985, p. 55) salienta três características básicas que decorrem do seu exame: (1) ela se relaciona a investimentos duráveis em relações particulares, cujos custos de oportunidade seriam muito menores em relação à presente utilização; ou seja, a duração temporal da relação pode determinar uma maior especificidade; (2) a identidade das partes da transação é fundamental, o que equivale a dizer que a continuidade da relação entre as partes é dotada de valor; (3) salvaguardas contratuais e organizacionais surgem para assegurar tais transações, dada a necessária incompletude dos contratos e a possibilidade de rompimento pelas partes.

Tais atributos, quando presentes nas relações, podem, segundo Williamson, gerar o efeito de aprisionamento: ―Transações que têm suporte em investimentos em ativos duráveis e específicos experimentam efeitos de aprisionamento, pelo que trocas autônomas serão comumente suplantadas por uma propriedade unificada (integração vertical).‖20

Para Frédéric Sautet, quanto maior a especificidade dos ativos, maior a possibilidade das partes experimentarem efeitos de aprisionamento:

Quando duas partes firmam um contrato, os termos são negociados em um ambiente competitivo no qual os preços são estabelecidos pelas forças de

mercado. No entanto, por causa da especificidade do ativo, no momento da renovação do contrato, é provável a ocorrência de barganhas restritas. Ambas as partes estão aprisionadas na transação. O ativo se tornou tão suficientemente específico às partes da transação que o mesmo não possui usos alternativos no mercado. 21

Embora Williamson saliente a simetria entre as partes da transação na questão relativa à especificidade dos ativos22, importa notar que muito comumente o aprisionamento apresenta-se como um fenômeno assimétrico, na medida em que seus efeitos podem se apresentar de forma mais gravosa para uma das partes, que assim experimenta o chamado efeito de aprisionamento (lock-in effect) à relação contratual e de sujeição à contraparte contratual, restando vulnerável a práticas de exercício abusivo e contrário à boa-fé objetiva do poder negocial.

 

CONCLUSÃO

 

No presente estudo buscou-se salientar o papel que o chamado efeito de aprisionamento, como também o risco moral derivado do problema de agência, podem desempenhar no sentido de ser fonte de exercício abusivo e contrário à boa-fé objetiva de poder negocial, em situações de dependência econômica manifestada no curso de relação contratual empresarial.

Dessa forma, agenda-se investigar, em desenvolvimentos posteriores, de que forma esses instrumentos de análise podem ser úteis no sentido de configurar mais precisamente o conteúdo  normativo  do  denominado  ―princípio  da  proteção  ao  contratante  economicamente mais fraco nas relações contratuais assimétricas‖ e seu âmbito de aplicação na tutela dos contratos empresariais.

 

REFERÊNCIAS

 

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http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=508884. Acesso em 23 out. 2018.

 

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https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/115437. Acesso em 23 out. 2018.

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